quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Treinando a mente

Essa semana recebi uma mensagem que me fez pensar "O treinamento físico representa 60% e o treinamento mental 40% da preparação de um campeão. Essa afirmação me fez pesquisar sobre o assunto e descobri um artigo muito interessante que vale a pena ler e meditar sobre tal assunto.

A importância da preparação mental no treinamento esportivo.

"Treine sua mente"

Escrito por Wanderson Ayrton Alves Nunes – Qui, 06 de Janeiro de 2011 17:59

Emil Zatopek, o corredor que nos anos 50 ficou conhecido como a “locomotiva tcheca”, tinha uma arma secreta, invisível aos olhos de seus oponentes e imensurável para os cronômetros que vigiavam os segundos de suas passadas: a mente. “Nos treinos, ele corria prendendo a respiração para se acostumar com o desconforto e, muito à frente de seu tempo, já usava a técnica do monólogo interno”, conta Benno Becker Junior, doutor em Psicologia pela Universidade de Barcelona, presidente de honra da Sociedade Sul-Americana e Brasileira de Psicologia do Esporte e autor do “Manual de Treinamento Psicológico para o Esporte”, único livro sobre o assunto publicado na América Latina.

A mente também foi a arma mais potente do brasileiro Vanderlei Cordeiro para se recuperar do ataque que sofreu na maratona olímpica. “Ele passou por um momento crítico e negativo, conseguiu retomar o ritmo e buscar o bronze. A maioria dos corredores não conseguiria isso”, acredita o técnico de corrida Lauter Nogueira, treinador de atletas de elite do atletismo e diretor técnico da Confederação Brasileira de Triathlon.

Tanto para atletas olímpicos como Vanderlei e Zatopek, como para os corredores amadores, a preparação psicológica é uma ferramenta preciosa para melhorar o rendimento em provas, atingir metas e permitir que o atleta dê o melhor de si nos treinos – mesmo quando a corrida longa parece interminável ou a intensidade dos tiros parece insuportável. “A performance é 60% física e 40% mental”, afirma Lauter.

Chris Carmichael, treinador do ciclista Lance Armstrong, campeão várias vezes do Tour de France (a mais importante prova desse esporte), também valoriza a parte psicológica na hora de preparar Armstrong. “O treino mental é tão essencial para o sucesso quanto o físico, e a preparação psicológica do atleta para os treinos e para as provas é o que faz a diferença entre alcançar o lugar mais alto do pódio e assistir à premiação à distância”, comenta o livro The Ultimate Ride. “Para render nos treinos e fazer uma boa prova, o corredor tem de trabalhar os aspectos físico, tático e psicológico”, afirma Regina Brandão, psicóloga esportiva e doutora em ciências do esporte, que já acompanhou a seleção brasileira de futebol e cuida hoje das mentes da seleção brasileira feminina de vôlei.

As pesquisas comprovam

Num dos inúmeros estudos sobre a importância da preparação mental no rendimento esportivo, cientistas da Wayne State University e da University of North Carolina mediram o impacto da auto-atenção e da ansiedade na economia de corrida de 18 fundistas bem treinados. Os corredores mais econômicos (que gastavam menos oxigênio por quilo de peso corporal por minuto numa velocidade padrão) eram os que tinham mais facilidade para se concentrar em si mesmos. Uma das explicações dos cientistas: atletas que voltam sua atenção para si reconhecem melhor a tensão muscular e podem eliminá-la através de técnicas de relaxamento ou mudanças na técnica de corrida. Então concentre-se: assim como limiares, freqüências e músculos, seu cérebro e suas emoções também podem ser treinados.

A central de controle

“O cérebro é o manda-chuva”, resume Edilberto dos Santos Barros, preparador físico da Presidência da República e um dos técnicos da Associação Brasiliense dos Corredores. “A corrida é uma soma do trabalho de órgãos e músculos, mas é o sistema nervoso que norteia tudo”, completa. Além de comandar as contrações musculares, o cérebro regula a produção dos neurotransmissores, substâncias que são liberadas nas ligações entre os neurônios e que promovem as sensações de bem-estar, euforia e fadiga num treino ou competição.

Nos exercícios físicos, gastamos nossos estoques de ATP (moléculas que são quebradas para liberar energia) e de glicogênio muscular, produzimos calor, perdemos líquidos e produzimos ácido lático. Se os estoques de glicogênio e de ATP acabam, se nos desidratamos, nos superaquecemos ou se os músculos chegam ao seu limite de condicionamento, o cérebro manda a mensagem de que o corpo está cansado para que paremos o exercício.

“Com o desgaste, o cérebro aumenta a produção de alguns neurotransmissores, como a serotonina (relacionada à letargia e ao cansaço) e a dopamina (relacionada à atividade motora), enquanto diminui a de endorfina (relacionada ao prazer e ao bem-estar)”, explica Hannah Karen, mestra em psicobiologia, especializada em ciências do exercício e em neuropsicologia.

A conseqüência é apatia, letargia, cansaço e pensamentos negativos, que parecem conspirar para que abandonemos o esforço estressante a que estamos submetendo nosso corpo. “Existe uma faixa de fadiga do corpo bastante ampla. A partir do momento em que entra na faixa, o atleta tende a desistir. Quanto maior seu preparo psicológico, mais perto do extremo da fadiga ele consegue chegar”, explica Hiran Valdez, doutor em ciências psicológicas, especialista em psicologia do esporte e professor titular de Psicologia do Treinamento Esportivo na Universidade de Brasília.

É nesse momento – quando o cérebro, num mecanismo de defesa, tenta fazer você parar – que sua mente pode ajudá-lo a continuar. “Se o atleta tiver preparo psicológico, pode reverter a situação e vencer a vontade de diminuir o ritmo”, completa Hannah. “Com o pensamento adequado ele consegue melhorar os níveis de endorfina e baixar um pouco os de serotonina”, diz. Conseqüentemente, a corrida volta a ser mais prazerosa e o corpo se sente menos cansado.

A CORRIDA NO CÉREBRO

Treinando a mente

Esportes de longa duração, como a corrida, são os que mais exigem um bom preparo psicológico. Além de obrigarem o atleta a se manter por muito tempo em contato com o cansaço, eles envolvem a pressão da superação de marcas. “Quanto mais longa a prova, mais importante é a resistência mental. Se um maratonista começar a pensar no desconforto e no desgaste, vai perder a prova”, diz Lauter.

Existem várias maneiras de preparar a mente para esses momentos de tudo ou nada. Carlos Eduardo Lefèvre, ultramaratonista, corredor de aventura e especializado em psicologia do esporte, fez uma espécie de “aclimatação mental” antes de enfrentar 220km pelas areias da Jordânia na Desert Cup. “Treinei no calor, na subida, com distrações externas. Mas só senti que estava preparado depois de correr 70km na USP, durante sete horas, num treino de sete voltas de 10km que não me trouxe nenhum ganho fisiológico, mas me permitiu conviver com o limite, a monotonia, o desespero”, conta. Cadu correu 33 horas ininterruptas para terminar a Desert Cup.

O treinamento de Sérgio Cordeiro para o Ultraman do Havaí, em 1998, envolvia imaginar, todas as noites, que ele tinha que arrumar forças extras quando faltavam 4km para o fim. No dia da prova, aconteceu igualzinho: a 3,5km, Sérgio passou dois corredores, abriu dois minutos e meio de vantagem e ganhou a prova.

As técnicas psicológicas mais aplicadas por corredores são visualização, mentalização, dissociação, autosugestão, meditação e yoga.

As técnicas de trabalho com a mente:

1- Visualização

O que é: ensaiar mentalmente a habilidade física e a estratégia. Prepara para as situações que você pode encontrar na prova ou treino. Ela funciona porque o cérebro não distingue a situação imaginada da vivida, ou seja, o cérebro tem as mesmas reações neurais nos dois casos. Conseqüentemente, quando vivemos algo parecido com o que tinha sido imaginado, nossas reações são mais rápidas e precisas.

Como fazer:

Para ter bons resultados, a visualização deve ser feita com a maior riqueza de detalhes possível. Imagine a temperatura, o contato do seu pé no solo, a presença dos outros corredores ao seu redor, o cheiro do parque, as sensações de cansaço que você pode ter em determinados momentos. Tente ver o movimento em primeira pessoa e em terceira pessoa. Crie perspectivas diferentes. Pense na técnica e no ritmo de corrida a cada quilômetro. Esta técnica por ser aplicada também durante o treino, combinando a imagem mental com o movimento real. “Eu corria em São Paulo imaginando a areia da Jordânia sob meus pés e o sol de 45 graus em minha cabeça”, exemplifica Lefèvre. As sessões de visualização devem ter no máximo oito minutos e ser feitas até três vezes por dia. Becker sugere fazer ao acordar, antes do treino e antes de dormir.

2- Monólogo interno

O que é: quando a fadiga chega, é comum surgirem pensamentos negativos. “O monólogo interno busca substituir esses pensamentos e imagens por outros, mais positivos”, diz Becker. Os pensamentos positivos têm o poder de melhorar a motivação e incentivar a produção de neurotransmissores favoráveis ao exercício, como a endorfina.

Como fazer:

“Use frases curtas e assertivas”, diz. “Vou melhorar”, “Tenho capacidade”, “Chego lá”, "Vou ganhar" são alguns exemplos. Pratique essa técnica nos treinos e crie uma “senha” pessoal para os momentos difíceis. “Quando você estiver muito cansado, imagine que está injetando gasolina aditivada em seu organismo, por exemplo. Na hora do sufoco da prova, basta repetir para si mesmo ‘gasolina aditivada’ e já estará dando um estímulo positivo ao cérebro”, afirma Becker.

3- Dissociação

O que é: afastar a mente da situação de dor e cansaço.

Como fazer:

Imagine que está num lugar gostoso, agradável, longe do desconforto do treino ou da prova. “Pense que está num oásis, com um ventinho fresco batendo no rosto, sentindo-se muito bem”, sugere Becker. “Assim, você engana o cérebro, que não distingue bem a realidade da imaginação, e por alguns minutos bloqueia a sensação de cansaço e dor”.

4- Associação

O que é: é o oposto da dissociação. Em vez de fugir da realidade, encare-a de frente.

Como fazer:

Assumir o cansaço e a dor na panturrilha, no pé ou na coxa ajuda a melhorar a percepção do desconforto. A partir daí, trabalhe com o monólogo interno. Uma dica de Becker: use a palavra “desconforto”, para não tornar a dor mais aguda. “As pesquisas mostram que assumir o real é melhor do que se enganar. Mas os corredores utilizam muito as duas técnicas, alternando momentos de associação com dissociação, para descansar um pouco”, diz Becker.

5- Relaxamento, meditação e yoga

Apesar de não serem técnicas psicológicas propriamente ditas, ajudam a combater a fadiga e deixam a mente mais preparada para momentos difíceis.

Relaxamento: “Peço aos meus atletas para, a cada quilômetro, fechar os olhos durante poucos segundos e, ao expirar o ar, soltar todas as tensões dos músculos”, ensina Lauter. O técnico também tem exercícios para combater a tensão dos pés e mãos. “Para relaxar as mãos, peço para imaginarem que estão carregando uma delicada pétala de flor entre os dedos, para evitar que eles cerrem o punho com força. Para relaxar os pés, peço que imaginem que estão correndo à beira-mar, na areia, com a água batendo nas pernas. Isso os ajuda a tirar a atenção do sofrimento”, diz.

Yoga: aumenta a consciência corporal e mental, um ganho que é transferido para o esporte. O atleta tende a entender melhor a relação entre as sensações físicas e psicológicas, o que torna mais fácil dominá-las.

Meditação: trabalha a respiração, o relaxamento e o foco mental. “É ótima para melhorar a concentração e aprender a relaxar mesmo quando o corpo começa a ficar dolorido e muito cansado”, diz Regina Brandão.

O perigo de ignorar o alarme

Quando ignorar o cansaço e desafiar os limites do corpo tornase perigoso? “O cansaço e a fadiga são a primeira resposta do corpo. Se o corredor ignorá-los, o cérebro vai tornando a atividade mais difícil até que consiga fazê-lo parar ou pelo menos diminuir o ritmo”, diz Hannah. “Nosso organismo é muito sábio. Numa situação que pode oferecer risco ao corpo, ele faz algo para parar que nem a motivação mental consegue superar. Pode ser uma lesão, um desmaio”, exemplifica a especialista. Isso não quer dizer que seja saudável correr até desmaiar ou ter um colapso de tanto cansaço, mas significa que o cansaço, por si só, não mata.

O alarme que não pode ser ignorado é a dor. “Quando surge a dor aguda, é sinal de que há alguma forma de lesão”, afirma Clemar Corrêa, neurocirurgião especializado em medicina esportiva e médico oficial do Rally dos Sertões e das maiores corridas de aventura do Brasil. Aí chegou a hora de parar. ::

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